quarta-feira, 28 de junho de 2017

Partindo de Olga Roriz...

Uma dos artistas que mais admiro. Em tempos de apatia, ouvir a Olga Roriz falar faz-me ebulir o sangue.

A Olga põe-se a ler a sua biografia — escrita pela jornalista Mónica Guerreiro, um livro enorme e fantástico que tenho cá em casa — e, segundo nos diz, fica com a sensação de que é um gato com sete vidas, porque já fez tanta coisa, já influenciou tantas pessoas... e no entanto ainda cá está, viva, a trabalhar. É uma sensação que já tive e quero continuar a ter, essa de uma história bem preenchida e complexa. Para mim significa que estamos a aproveitar a vida.

Talvez eu nunca deixe de ficar fascinado com este país pequenino onde há tanto cinema, tanta dança, tanta música, tanto teatro e tantos teatros. Quando oiço a Antena 2 é sempre um misto de ansiedade por conhecer tão pouco e me sentir tão pequenino (algo que aprenderei a dominar) e de enorme gratidão por existirem tantas coisas tão belas e tão diversas para descobrir. A mesma sensação me dá o mundo da Olga Roriz. Os cafés depois dos ensaios, um filme feito na praia, os livros trazidos para o estúdio de manhã para alimentar o processo criativo, as tardes a ouvir ópera de janela aberta para que possa sair para a rua, as noites no Lux onde dançam lado a lado cineastas portugueses com histórias preenchidas e jovens que acabam de nascer pela segunda vez, o regresso a casa numa noite de Verão depois de uma estreia, o amor ao canto do bar vestido de negro... Amigues que se especializaram em cenografia e te põem pedras e água no palco, ou aqueles que filmaram assiduamente toda a tua obra, ou as outres que no meio de tudo isso se tornaram pais das tuas filhas. Os conhecimentos comuns e referências partilhadas que te ligam a uma comunidade e asseguram que aquele é o teu lugar. Uma vida misturada com a arte, num privilegiado conforto burguês. E eu fico a oscilar, entre o sonho-desejo pueril da versão mitificada desta história e a lúcida consciência da realidade: a vida de artista está longe de ser um mar de rosas, mas para as pessoas que sabem apreciar a beleza das pequenas coisas, pode ser uma vida muito satisfatória.

E se considerarmos que toda essa arte forma uma pintura de extrema complexidade, um sistema simbólico vasto e rizomático, por si só já tão valioso, então a História é a terceira dimensão, que vem multiplicar esse quadro infinitas vezes, para o passado e para o futuro. A História não é tirana como as bases de dados ou os registos das câmaras de vigilância: é brumosa como os sonhos, e para aceder a ela é preciso as qualidades humanas de sentir, de recordar e de saber ouvir os outras. Dá-nos a dádiva de saber que por detrás de cada edifício há uma história, e por detrás de cada obra há muitas outras que foram comunicando ao longo do tempo até chegar àquela que vai estrear hoje. Isto não é a melhor garantia de imortalidade que alguém pode ter, fazer parte deste fluxo?

"As pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam", disse o Almada Negreiros.

Para a experiência humana o mundo é mesmo infinito. Ainda hoje descobri uma estrada bonita na aldeia onde moro há muitos anos, aldeia que eu e os minhas amigos temos o mau hábito de classificar como feia e desinteressante. Para uma artista nenhum sítio é feio ou desinteressante.

Por fim, a gratidão que é uma constante na vida da Olga, por poder fazer o que gosta. Tenho a sorte de ter perto de mim pessoas que vivem assim, gratas pelo que têm de bom. Eu de vez em quando escorrego e esqueço-me... mas vou-me habituando a lembrar.

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