quarta-feira, 2 de julho de 2014

E o autocarro parou...

Manhã enlatado no autocarro para a Estação de Coina. Oscilava entre o trabalho no computador e o sono, frustrado pelas interrupções que me causava. Foi nos caminhos de mau asfalto e sol ardente por entre o pinhal, quando já se via o reluzir dos vidros do oásis da gare e os carros estacionados já preenchiam a berma, que o autocarro parou. Parou mesmo antes da última rotunda, incapaz de percorrer a última centena de metros. As cabeças ensonadas levantaram-se e sorriram levemente, enquanto o motorista tentava reavivar o motor. No silêncio sem eco do espaço trespassado pelo sol puro e baixo da manhã, disseram "Vamos a pé!". Sairam. Iniciaram a micro-epopeia.

Eram três minutos de uma subida ligeira, até ao monumento. Em paralelo à escalada, o comboio penetrava na cena, rectilíneo, e aterrava lentamente na estação, pronto para nos receber.

Os corpos deixaram, por poucos minutos, de ser módulos coloridos e encaixados, para povoarem a paisagem estéril com as suas posições aleatórias e as suas diferentes formas de andar. Pela primeira vez em muito tempo, aqueles corpos andaram sem nada entupir. Cansados, divertidos, indignados, energéticos, fascinados ou indiferentes. O sol, paternal, observava a migração da tribo moderna, que reaprendia a deslocar-se. Tinham saudades de ver a redondeza da Terra.

E eu tive um vislumbre de um mundo sem transportes, um mundo pré-veloz, um mundo onde não poderíamos caminhar ao sol na mesma direcção sem sermos comunidade e sem nos olharmos de frente uns aos outros... Quem se lembrou de um dia acelerar a vida humana?