quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A partir de hoje sou professor.

Tenho feito muitos workshops e masterclasses de danças urbanas, dados por bailarin@s e coreógraf@s excelentes que eu admiro mas que, no entanto, não fazem a mínima ideia do que significa ensinar. Eu posso não conseguir reproduzir as coreografias mais complicadas que se ensinam por aí, posso por vezes ser desajeitado a dançar, e o meu freestyle está tão destreinado que enjoa — mas de uma coisa eu estou certo: eu sei ensinar.

Não quero tirar o mérito a ninguém. Admiro praticamente tod@s @s coreógraf@s de danças urbanas mais conhecid@s em Portugal. Mas é muito fácil cairmos na rotina de chegar, passar uma coreografia e ir embora. Muita gente, inclusivé as pessoas mais aclamadas, fazem isso. "Eu não vou estar a chatear-vos com o aquecimento, porque vocês tiveram outra aula ainda agora, portanto vou começar já a passar-vos a coreografia."

De todas as coisas que um/a professor/a de dança pode fazer, passar uma coreografia é a mais fácil. É a que dá mais garantias de que @s alun@s vão conseguir fazer tudo bem e ficar satisfeit@s. Transmitir a alegria pela dança... é muito mais difícil.

Mas o que é que eu quero deixar para os meus alunos e as minhas alunas? Quero fornecer-lhes uma dose periódica de coreografias para dançarem durante umas semanas e depois esquecerem? Que infrutífero! O que eu quero deixar-lhes é algo mais perene.

Quero que, quando uma música começar a tocar, a vergonha não lhes tente domar os pés e não os obrigue a ficarem a um canto da sala; em vez disso quero dar-lhes um dicionário de passos — por mais pequeno que seja — que lhes permita aproveitar realmente a música e divertirem-se. Talvez até convençam @s amig@s a dançar também. E depois quero que aprendam a explorar sozinh@s todos os movimentos que o corpo humano permite fazer, porque assim poderão inventar os seus próprios passos. Quero que a dança seja mais uma ferramenta para se exprimirem, porque falar ou escrever não chega para dizer metade do que sentimos.

E mesmo assim tudo isso ainda é um objectivo pouco ambicioso. Tudo o que faço, faço por um motivo, e para mim o objectivo tem que ser um pouco mais nobre:

  • Que a dança possa ajudar a construir e a manter a auto-estima.
  • Que possamos superar medos — medo da dança, medo do palco, medo da vida.
  • Que todas as semanas tenhamos umas horas onde podemos comunicar de outras maneiras para além da linguagem verbal, porque isso é importante.
  • Que possamos construir em conjunto uma pequena obra de arte que é de todes igualmente.
  • Que saibamos ouvir-nos. Que nos ajudemos mutuamente e que ensinemos coisas entre nós, mais do que ser só o professor a ensinar.
  • Que possamos descobrir o nosso corpo, porque ele é capaz de fazer tantas coisas que nós nunca imaginámos. Se o conhecermos melhor, isso vai ajudar-nos em toda a vida.
  • E podia dizer tanto mais aqui...

É por não haver nada destas coisas que começo a ficar mesmo farto de workshops e masterclasses.

Hoje uma aluna minha estava um pouco atrapalhada com um passo da coreografia. Tentei ajudá-la, devagar e com paciência, mas a frustração começou a aparecer-lhe. Insisti que continuasse a tentar. Corri o risco de ela se achar incapaz e de desistir, de ficar chateada consigo própria e de se ir sentar. Com o ar mais desajeitado de sempre, esforcei-me por transmitir-lhe que ficava ali todo o tempo que ela precisasse, porque acreditava nela, e convenci-a a continuar. E por isso hoje foi diferente. Hoje ela não foi para casa com uma coreografia nova — foi para casa com uma capacidade nova. E da próxima vez que ela se deparar com uma dificuldade, talvez se lembre do dia de hoje e isso a motive a tentar ir um pouco mais longe.

Eu dou aulas de Hip Hop há dois anos. Mas só a partir de hoje sou professor.

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