segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Blasfémia

"Parece tão óbvio o facto que, no tempo de Pessoa (e no nosso; serão diferentes?), os Lusíadas já não fariam sentido como Camões os escreveu. Não passariam talvez, e perdoem-me a ofensa, de uma exaltação livresca e desnecessariamente extensa à barbárie, ao conflito bélico, à sede monstruosa e obsessiva de território.

Camões repete-se incessantemente num tom épico que enjoa. A sua voz forte e emocionada declamando a sua poesia de cima de um penhasco, perante o mar revolto português, acaba por tornar-se apenas um ruído de fundo na televisão enquanto se come o jantar. Falta-lhe o ritmo. Os seus poemas rimam, mas não ritmam. São incompletos. São monótonos. Louvamos um homem porque conseguiu falar bem do país em mil cento e duas estrofes de oito versos de dez sílabas métricas cada e esquema rimático sempre igual. Santa paciência! Como será o manifesto que Almada não escreveu sobre Luiz?

Assim julgo que terá pensado Pessoa, ou de forma menos agressiva. Pessoa foi sensível o suficiente para saber o valor da simplicidade. Convidou suavemente as pessoas a lê-lo, tão ocupadas estavam a repetir a sua rotina cinzenta, a manter a sua ignorância e a polir o seu desinteresse, porque lhes mostrou poemas leves e bonitos antes mesmo de serem lidos, e nessa aparente economia de palavras condensou todo o amor à pátria e aos seus heróis com uma nova magia. Por isso é que foi tão bem-sucedido no seu tempo de decadência. Pessoa foi o génio literário que emergiu no meio do nevoeiro."

Porque é ilegal escrever isto num exame nacional. ;)

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